quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Vamos demolir o Borba Gato?

Desde 1963 ele está lá. Nascido das mãos e cabeça do escultor Julio Guerra, Borba Gato é lembrado como “o célebre, competente, um dos grandes bandeirantes paulistas”.

Quem passa na Avenida Santo Amaro, em sampa, já o viu. Recheado de trilhos de trem e com casca de ladrilhos, o fizeram alto e imponente, com os olhos perdidos no nada. Sempre acompanhado de seu trabuco, agora, em descanso.

Há poucos dias, rumo ao dentista, perto de mim uma menininha, olhando para o alto, perguntou a mulher:

– Quem é ele, mãe?

– O Borba Gato.

– Porque tá com uma arma na mão, mãe?

– Não sei. Vamo logo menina ou vamo se atrasá!

Treze metros de altura e 20 toneladas de corpanzil, em nós, adultos, causa admiração, para uma criança, o sentimento é de espanto. Isto deve nos dizer alguma coisa.

Mas tem gente que guarda apreço pelo Borba. Não à toa, há uns poucos anos atrás, foi criada a campanha “Vote Borba”.

O projeto? Nada de Cristo Redentor, mas o bandeirante como uma das 7 maravilhas do mundo moderno. Graças a eterna rixa: paulistanos x cariocas, a campanha obteve apoiadores, e até comunidades prós no falecido, Orkut, mas não o suficiente para ganhar a votação.

Veja as magnificas justificativas do idealizador e publicitário, Bá Assumpção, (a profissão diz bastante), para viabilizar a ação:

– O Borba Gato é um herói da nossa nacionalidade. Não fosse por ele ainda estaríamos no Tratado de Tordesilhas. Voltou de Minas cheio de ouro, comprou a Câmara de Vereadores de São Paulo, ficou dono dos defuntos, dos cemitérios, nomeava (sic) gente durante anos...

Incrédulo, pergunta o jovem repórter:

– Mas ele matou um monte de gente, né!?

– O Brasil perdoa quem tem dinheiro. - (Assista à matéria sobre, aqui)


Mas nem tudo são empregos para parentes e amigos, nem defuntos privados. Em tempos de tablets, Smartphones a tempo e a hora, não é necessário ir muito longe para saber dos quilombos e famílias destruídas, dos índios e escravos assassinados, claro, em nome de um "Brasil mais próspero".

No fervor dos protestos no Brasil, em julho, um grupo de jovens renomeou a ponte Estaida, de Otávio Frias de Oliveira, magnata da Folha de S. Paulo e apoiador do regime militar de 1964, para ‘Vladimir Herzog’, jornalista assassinado pelos órgãos de repressão do mesmo regime, em 1975.

Não perdoo gente com dinheiro em troca de dinheiro. Nem admiro estátuas de assassinos do povo e da nossa história.

Que derrubem o Borba Gato e ergam Zumbi dos Palmares.


Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de fotografia, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Pedras e urubus, os dias que te matei

Urubu do amor...
Andei pelas ruas achincalhando seu nome.

Contei seus segredos, como quem conversa na feira. Beijei bocas fétidas de palavras podres. Mas seus beiços-cigarro-café, jamais.

Contei a todos os seus defeitos. Sem efeitos, inventava mais alguns.

Joguei em suas costas o peso das pedras e urubus que o vento colocava em meu caminho. O mesmo vento que soprava a nosso favor.

Maldisse seus gostos e costumes. Seu jeito roceiro de viver na cidade, a simplicidade do vestir e falar. Amaldiçoei as cervejas divididas, os risos, as contas que não paguei, as histórias repetidas.

Os malditos garçons da praça Roosevelt sabiam de nós. Sabiam e nada disseram. Não me contaram do cliente de longa data. Dos olhos lascivos, das bundas passantes e penetradas.

Seus tiques de retardado. Insensibilidade, a falta de flor. Um homem que chora. Mas sem sangue e coração. O gozo crescido, o suspiro de menino.

Em comum acordo, jurei a deus e ao diabo, não mais te ver, nem deixar entrar seja por qual porta fosse.

De armadura e trabuco, cheguei. Espremi a campainha que nunca funcionou. Nada de mais, meus livros que esqueci. Já li, mas foram caros.

Sorriso sem dente. Olá e tudo bem, como manda o figurino.

Calor. Geladeira cheia. Educação. Cerveja de intenções. Sofá pequeno. Umas palavras soltas, um olhar preciso.

Um dia.

Dois dias.

Três dias.

Domingo. Pernas xadrez bordam o lençol. Conchas de gente dentro. Abraço e leite com canela.

Não se vive o que se fala. Floresce o que se sente.



Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de jabuticaba, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Autoajuda, ajuda?

Autoajuda, não necessariamente a sua. 
Em tempos de enxugamento de gastos, uma matéria fria, isto é, que não se trata de assunto imediato, sempre dá um up nos cadernos de cultura (cultura pero no mucho) dos jornais. Por esses dias a Folha ressuscitou uma matéria de janeiro deste ano, em que diz que a poesia é mais útil ao cérebro do que os milagrosos livros de autoajuda. Se sua cota mensal de matérias não tiver acabado, leia aqui

É verdade. Em instantes precisos da vida, as situações são mesmo desesperadoras. Angústias repentinas que nos algemam, parafusos soltos que ninguém vai rosquear, perguntas que nascem aparentemente do vazio, noites em que choramos, para amanhecer sorrindo, ou tentando.

Nestes dias turvos, para clarear, alguns leem autoajuda; muitas vezes em busca de respostas do tipo: Porque não sou magra? Ou rico? Hein, hein, porque não tenho sucessos na empresa? Ah, meu deus... porque diabos não tenho os homens aos meus pés?

Lembro-me de uma vez em que vi um homem e seu livro, a capa dizia: Como se tornar um milionário. Leia, siga o passo a passo, e embarque para a Suíça. É, por enquanto ainda não, ele vestia uma camisa surrada e estava no metrô...

Será que se existisse uma fórmula milagrosa para o sucesso, para uma vida plena e feliz, o casamento perfeito, a mulher dos sonhos? Será que se existisse a tal poção, seria traduzida e propagada aos quatro ventos, prontinha assim, só ir na saraiva e tá feita a sua parte? 

Acredito que não.

Nós, quem sabe, mas os autores de autoajuda não são bobos. Eles pesquisam, sacam você e fazem livros atraentes. Se já leu algum deles, com certeza se pegou agradecendo a deus: “Mas eu já tinha pensado nisso!”

Que dádiva! Você tem um livro amigo!

Não o que te diz as verdades sem fru-fru quando preciso, mas aquele das opiniões beges, que nunca aceita a cerveja de sexta-feira, mas que está sempre com um elogio na ponta da língua.

Na maioria das vezes, o sujeito ou sujeita cabisbaixo, vendo seu último suspiro como consolo, não tende a discordâncias, nem realidades duras.  Quer ser acarinhado, posto no colo, de preferência ouvindo um sonoro e acalentador: “Vai passar”.

A autoajuda vende rios por isso, diz tudo o que você já sabe. Está lá tudo o que você quer ouvir. O que precisa eu já não sei, é outra história.

Tape o sol com peneira, mas não há receitas, fórmulas, nem remédio para a dor que cure o que nos faz ser o que somos. Sangramos e sorrimos, caímos e levantamos, somos surrados e, quando podemos, devolvemos o golpe. A vida é isso, nós de sombrinha e pés atentos nos equilibrando nessa linha frágil.

Quando cachorros brigarem, se estraçalharem em seu coração, desabe nessa dor. Ela é sua, bem como as alegrias, não rejeite-a. Para que respostas imediatas, porque fazer espetáculo de seus baixos sem altos? 

Quem acha que o seu problema é exatamente o mesmo de 1 bilhão de pessoas, independente dos valores sociais, culturais e econômicos em que você está inserido, não merece sua leitura, quiçá suas tristezas e frustrações.

Tentar são as rodas da vida. Parece que não, mas há sempre outro dia.  Como diz Sérgio Vaz, quando o bicho pegar “não cultive multidões”.

Não cultive autoajuda.


Aproveitando o ensejo, separei os melhores títulos da categoria. Não há limites para o pior.

12 semanas para mudar uma vida – Augusto Cury
Projeto verão, hein, em dezembro tudo em riba! Corram!

201 maneiras de enlouquecer um homem na cama – Tina Robbins
Não é 199 nem 200, uma pechincha.

Ele simplesmente não está a fim de você – Greg Behrendt
E, claro, você precisa de um livro para saber.

Casamento blindado – Seu casamento à prova de divórcio – Cristiane e Renato Cardoso
Nem o tinhoso separa...

Você não está sozinho – Max Lucado
O título é criativo, mas não resolve a vida. Você nasceu só e assim morrerá, amigo.


Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de jabuticaba, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Por que o povo é burro?

De 1933, a obra operários, de Tarsila do Amaral,
revela o enlace da artista com o comunismo. 
   
O despertador toca. Não acredito, mas é verdade, já amanheceu. 

Minha mão rasteja pela parede e acende a luz. Me enfio em qualquer roupa, sem abrir os olhos, e enfio a bolsa no braço. Faço a marmita com o que tem e engulo o café de ontem. 

No ponto, as pessoas chegam rápidas, os ônibus não. Unidos, nos socamos para que todos possam caber. Aqui o clima é quente. Suamos e brigamos para ter onde pôr os pés e as mãos. Todo dia, religiosamente, rezamos pela descida ligeira de alguém que só se rende no ponto final.

Repreendemos com olhos vermelhos e sonolentos os que se exaltam. Imploramos pelo silêncio, pois é o mais próximo que podemos chegar da paz. Na contramão, desejamos o cair um dos outros, a troco de um banco para repousar durante as horas seguintes. 

A mediocridade nos é farta e generosa.

O ônibus ronca, como quem raspa a garganta, e me cospe. Mecanicamente, meus pés seguem o caminho, assim como meu corpo que irá reproduzir inúmeros movimentos programados ao longo das próximas oito horas, às vezes dez. 

Contaram-me do sol, não sei do dia, quando saio já é noite.

No ponto, me pergunto de onde vem tanta gente, de onde brotam tantos pés arrastados. Rezo inutilmente por um assento que não vai me esperar. Do ódio matutino à passividade noturna. Empurrões, xingamentos e sons indecifráveis. Esperam que eu reaja, e apenas quero à minha casa chegar.

De sapatos, desabo como um prédio implodido. Passo os canais, ouço alguém dizer sobre políticas de alguma pública, educação, literatura... Aperto o botão de novo, a novela já vai começar.




Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de jabuticaba, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.