terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A quebrada mudou

O carrinho de rolemã era febre nas ruas de asfalto e de barro. 
 Hoje, a adrenalina é enxugar vodka, e o brinquedo virou lenda.  

A quebrada mudou. Aliás, nem quebrada é, virou “comunidade”. Aqui, Carlinhos Brown adaptaria o seu hit: “A empregada, tem empregada, verdaaade...”. As coisas mudaram. Mamãe, doméstica há 20 anos, agora tem diarista.

- Aria tudim, quero meus alumínio brilhando que nem espelho, Zilda! – Mamãe tem dinheiro, mas nota não apaga costume. Ela não confia no teflon.

 Zilda adora trabalhar em casa, mais do que ir para a Vila Mariana, na casa de dona Laura, carinhosamente conhecida como “véia nojenta”. Em casa, come bolo de fubá, toma café, vê a novela e atende o celular sem levar esculachos. As benesses de se ter uma patroa-empregada.

As ruas também mudaram.

Antes, trânsito só na cidade. Era um vendável de crianças nas ruas... Pipa. Bola. Peão. Carrinho de rolemã. Salada mista. Ninguém se importava com roupas ou tênis. Nossos molambos eram o de menos, o joelho ralado doía mais.

A bicicleta era comunitária, claro, não sabíamos disso, só agradecíamos ao Márcio, o menino do sobrado que emprestava suas duas rodas para a rua toda.

Os fins de tarde eram sempre um “pega pra capar”. Mães com chinelos e espadas de São Jorge em punho, se apoiavam nos portões à espera dos filhos que, inebriados pelos amigos e pelas descobertas que a rua proporciona, se esqueciam de casa e dos perigos. Não jantávamos, mas vivíamos. 

Carro era luxo de poucos. Quem andava num Uno 97 já tinha do que se gabar na escola. Celular só no cinema. Cinema só no natal, décimo terceiro. Isto, para os pais de carteira azul. 

Brincamos de roda e nela contávamos histórias mal assombradas. Nada de indiretas, quando havia divergência, batíamos nos colegas, depois nos abraçávamos e estava tudo certo.

A rua era de casa e de gente, não de empresários e comércios.

Aí, chegou o metrô, Linha Lilás. Esperança, gosto dessa cor. Trem lerdo, diga-se de passagem. Da primeira notícia até a primeira viagem, passou um bocado de tempo. Tempo este suficiente para emergirem de nossas casas e barracos convidativas lojas. Lojas de roupas, calçados, ah, tem de vestimentas, chinelos, tem até uns modelos Plus Size; e claro, tem umas que vendem sapatos e roupas, também.


Aqui é o lugar em que a gente se cobre, cobre, cobre, e não consegue esconder as filas no AMA, os córregos que derramam quando chove, os ônibus lotados... Essa loja ainda não abriram aqui.

E o pivô é o tempo, este rio a nos guiar.

As mães migraram dos portões para as portas dos quartos, inquietas em descobrir que diabo tem o tal Facebook, que os meninos não desgrudam do computador. Os moleques não andam mais de bicicleta, estão nos rolês enxugando vodka a fim descolar quem vai comer a Larissa da 6ª A. Os molambos sinceros foram trocados por roupas de grife, ou por etiquetas costuradas. Criança de sete anos já exige celular. Com wi-fi, hein!

Nas calçadas não há lugar para estacionar os pés. O ano é 2013, mas o carro é 2014. Adeus fuscas, chevetes e passats coloridos.

Mas tem coisas que não mudam. As rugas de dona Almerinda, sua diabetes e a falta de atendimento no pronto socorro, mas dizem que a velha é reclamona, e como bem lembrou Ronaldo, o fenômeno das frases: “Não se faz copa com hospital”.


Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de fotografia, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas