terça-feira, 26 de novembro de 2013

Negahamburguer além da capa

Criadora e criatura. 
Num sábado de sol e preocupações, entrei no ônibus. Sem crédito no bilhete, recorri as nicas escondidas no fundo da bolsa e segui viagem estralando os dedos. O TCC comia o meu juízo e o que restara de mim, ia encontrar alguém que pudesse me dar uma luz e até mentir, dizer que tudo ia ficar bem.

Fiz um livro reportagem: “Kantuta: Memórias da flor”, sobre a Feira Kantuta, principal reduto da colônia boliviana em São Paulo, e precisava de alguém para diagramação. Depois da indicação de um amigo, resolvi que Evelyn Queiroz faria o serviço. Ouvi boas críticas sobre ela e fui ao encontro com fagulhas de esperança.

Marcamos numa padaria no Capão Redondo, de cara houve sintonia. Com duas cervejas resolvemos o livro e começamos a desenrolar umas ideias. Falamos de nossos trabalhos e do desejo em largá-los. Das viagens que faríamos e dos sonhos que tínhamos. Falamos do sexo na vida das mulheres e, também, dos homens que dizem manjar de sinos, mas que não tocam nada.

Papo vai, papo vem, Evelyn comentou da Negahamburguer, sua cria que, aquela época, ainda engatinhava. Depois de um tempo, com a viralização de seu trabalho nas redes, vi que se tratava de algo maior. Um personagem real, uma mulher com corações de mulheres. Gordas, magrelas, mães, negras, com pelos, pneus, bundas diversas e peitos caídos. Mulheres vivas.

Com o mantra “Aceite seu corpo”, de longe, vi Evelyn crescer, e a Negahamburguer tomar corpo. Corpos de pessoas vitimadas pelo câncer e pela sociedade tomam o coração da artista e pulam para as telas. Evelyn come a dor do outro e devolve afeto. 

Mistura fina de amor e arte.

E a delicadeza também está presente à parte das tintas e pincéis; na paixão pelos cachorros, na costura de seus vestidos, no pai que leva no braço e no gosto por livros... Aliás, ficou com um meu “O livro amarelo do terminal”, que nunca devolveu. Mas, em mim, quantas coisas deixa com seus desenhos... Tudo bem, pode ficar.

Depois de idas e vindas, problemas seculares com a gráfica, e enfim findado o livro, disse que encheria uma laje, mas que JAMAIS faria capa nem contracapa de TCC para seu ninguém.

Ela tem razão. Quem precisa de capa quando há conteúdo? 










Para mais informações, acesse a página da Negahamburguer no Facebook


Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de fotografia, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.

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