Criadora e criatura. |
Num sábado de sol e preocupações, entrei no ônibus. Sem
crédito no bilhete, recorri as nicas escondidas no fundo da bolsa e segui
viagem estralando os dedos. O TCC comia o meu juízo e o que restara de mim, ia
encontrar alguém que pudesse me dar uma luz e até mentir, dizer que tudo ia
ficar bem.
Fiz um livro reportagem: “Kantuta: Memórias da flor”, sobre
a Feira Kantuta, principal reduto da colônia boliviana em São Paulo, e precisava
de alguém para diagramação. Depois da indicação de um amigo, resolvi que Evelyn Queiroz faria o serviço. Ouvi boas críticas sobre ela e fui ao
encontro com fagulhas de esperança.
Marcamos numa padaria no Capão Redondo, de cara houve sintonia. Com duas cervejas resolvemos
o livro e começamos a desenrolar umas ideias. Falamos de nossos trabalhos e do
desejo em largá-los. Das viagens que faríamos e dos sonhos que tínhamos. Falamos
do sexo na vida das mulheres e, também, dos homens que dizem manjar de sinos, mas que
não tocam nada.
Papo vai, papo vem, Evelyn comentou da Negahamburguer, sua cria
que, aquela época, ainda engatinhava. Depois de um tempo, com a viralização de seu trabalho nas
redes, vi que se tratava de algo maior. Um personagem real, uma mulher com
corações de mulheres. Gordas, magrelas, mães, negras, com pelos, pneus, bundas
diversas e peitos caídos. Mulheres vivas.
Com o mantra “Aceite seu corpo”, de longe, vi Evelyn crescer, e a Negahamburguer tomar corpo. Corpos de pessoas vitimadas pelo câncer
e pela sociedade tomam o coração da artista e pulam para as telas. Evelyn come a dor do
outro e devolve afeto.
Mistura fina de amor e arte.
E a delicadeza também está presente à parte das tintas e pincéis; na
paixão pelos cachorros, na costura de seus vestidos, no pai que leva no braço e
no gosto por livros... Aliás, ficou com um meu “O livro amarelo do terminal”, que
nunca devolveu. Mas, em mim, quantas coisas deixa com seus desenhos... Tudo
bem, pode ficar.
Depois de idas e vindas, problemas seculares com a gráfica, e enfim
findado o livro, disse que encheria uma laje, mas que JAMAIS faria capa nem contracapa de TCC para seu ninguém.
Ela tem razão. Quem precisa de capa quando há conteúdo?
Para mais informações, acesse a página da Negahamburguer no Facebook.
Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de fotografia, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.
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