quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Escola, estágio no inferno: Sobre quem sobreviveu e quem continua medíocre

Marcas temos muitas, mas vamos deixar as nossas pegadas. 
Assim que entrava me via na lousa. Uma enorme baleia desenhada com o meu nome. Na saída, vários alunos me (per) seguiam e xingavam até metade do caminho de casa, outros atacavam pedras. Aquilo refletia como eles me viam: uma garota gorda, com espinhas, cabelo crespo, e, por isso, desprezível e insignificante.

Ao se recusar a passar a cola para um colega de classe, Letícia foi chamada de rata, ratazana, e ouviu que morreria sozinha por ser feia demais. Na frente de todos apanhou sem que ninguém se condoesse.

Se Bia ia de cabelo preso não tinha paz, solto era o inferno. Uma meia, uma piada. Um laço diferente, um achincalho novo. Ela não sabe como não se matou.

Eu posso deduzir.

De olhos fechados, sozinhas em seus quartos, no fundo, por mais doloroso que fosse, sabiam que não eram o que diziam. Viriam a descobrir, futuramente, que eram maiores do que aquela situação.

Bia assumiu o black power, veste o look que der na telha, estuda moda e tem um filho lindo que educa na contracorrente do azul é pra menino, rosa é pra menina.

Letícia formou-se em letras e estuda música há uns dez anos. Trabalha como educadora e é percussionista.

Encontrei nas palavras o meu lugar de ser, de me expressar e estar no mundo. Esse caminho me levou à faculdade de jornalismo, área em que trabalho atualmente.

E os que nos alopravam? Vixi, a maioria está só o pó. Não me refiro ao físico, falo da estagnação enquanto condição, o fato de não evoluir como ser humano.

Num tempo ultra conectado, somos convidados a regressar ao passado por meio do whatsapp e seus grupos do famigerado ensino médio. Lá vemos o quanto a passagem do tempo melhora a uns e estaciona outros.

Uns, o rio raso. O volume morto do Cantareira. O estado permanente de não encontrar em si próprio nenhum prazer ou satisfação e, por causa disso, viver à sombra do que acontece na vida alheia.

É aquele tipo que acha o cúmulo alguém ter o DIREITO de ter cabelo rastafári. Que “ganha” o tempo pregando como as pessoas devem viver, se vestir, em que Deus devem acreditar, que o corpo de um é ruim e o outro é bom.

Nos intervalos disso tudo, continua vendo TV Fama sem abrir um livrinho sequer. Nem a si mesmo consegue fazer algum bem.

Muito desse sofrimento poderia ser amenizado se houvesse um posicionamento decente das escolas e, por conseguinte, dos professores. Muitos deles se omitiram e se omitem, fechando os olhos enquanto o massacre psicológico, às vezes físico, come solto.

Existe ainda o aspecto familiar e social como um todo, isso dá outro texto.

Por ora, quero registrar o nosso profundo agradecimento. Sim, todas as humilhações a que fomos submetidas nos tornaram mais fortes, conscientes, com senso crítico e vontade de ir mais longe.

Marcas nós temos muitas, mas também vamos deixar as nossas pegadas!



Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, ama a natureza, é fã de fotografias, cachorros e botequins.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.


terça-feira, 21 de julho de 2015

Pra que serve o seu facebook?

O que??? Ninguém curtiu? Ah, sim, mas tem duas curtidas no post anterior...

Aff, recebi 30 likes na foto de perfil, é pouco, tem foto minha com 100 curtidores!

Quem é essa vagabunda comentando a foto do meu namorado?

Esse cara é mó zé ruela, otário, postando maconha, moto e notas de 10 no facebook, otário, otário...

Ah, não, mentira! Compartilharam o status do Edir Macedo! Logo ele que só olha para o céu pra ver se vai chover... 

Nóis bebe, fi, bebe de dia, de quarta! Posta uma foto da breja aí! Só original!

Olha só, meus amigos no rolê e não me chamaram... Bom saber.

Marquei uma amiga na foto, ela nem comentou, não curtiu. Será que tá brava comigo? Eu fiz alguma coisa? Ah, meu Deus...

Tira uma selfie da gente no cemitério? "Juliana está se sentindo triste."

Quem é que nos dias de hoje usa salto plataforma? Mina muy brega no metrô, aff!

Tenho que desmarcar isso aqui! Tô o diabo na foto e fizeram questão de publicar!

E esse filho da puta que vota no Alckmin e culpa o PT pela falta de água! Analfabeto, coxinha do caralho!

É a corrupção, culpa da Dilma, os petralhas estão acabando com o Brasil. Vou pra Miami!

Olha só essa garota! Era tão feia no colégio agora até casou, meu Deus! Deixa eu ver quem é o domador de dragões.

Jesus está voltando, sabe por quê? Os maconheiro, as bicha, tão ganhando poder (tem até viado deputado) pode ver, todo canto tem um. Feliciano pra presidente, Bolsonaro vice! E Malafaia, claro, me representa!

A mina que postou que ia pra academia, ganhou 10 likesss, sifudê!

E o cara lá, hein, confirmou presença no evento, mas acho que nem vai colar... Ele sempre faz isso.

Tags: facebook, ansiedade, neuroses contemporâneas, continhos virtuais realíssimos



Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, ama a natureza, é fã de fotografias, cachorros e botequins.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.

terça-feira, 26 de maio de 2015

ENEM 2015: mais uma vez Jornal Nacional explica para confundir

Vejam a quantidade de alunos que terão seus direitos suprimidos graças à novas mudanças no ENEM. SQN. 
- Meu filho não vai poder estudar, cortaram um direito que é dele! Mas não tem problema, me viro pago um cursinho.

Chegou ao trabalho dona Rosana, auxiliar de limpeza, indignada com as novas alterações no ENEM 2015. Segundo o que o telejornal informou, seu filho, de 17 anos, que não tem o ensino médio completo, não terá acesso aos programas do governo federal como o ProUni, SISU e Ciências sem Fronteiras.

Estranhei a nova regra. Por mais que haja cortes recorrentes nesta administração, nas áreas de educação e saúde, essa medida seria um tiro no pé, assim como as recentes negativas de acesso ou continuidade no programa de financiamento estudantil, FIES. Rosana tinha até avisado ao seu filho, esse novo “corte” já era dado como certo.

Fui pesquisar. Li de cabo a rabo as novas regras no portal do INEP.

No site do órgão não havia nenhuma menção do que Rosana reclamava como uma suspensão de direito. No entanto, lembrei-me que ela disse ter visto a matéria no Jornal Nacional.

Entrei no site do jornal e assisti ao vídeo do dia 25/05, na metade da matéria “esclarece” a repórter:

“Menores de 18 anos sem o ensino médio NÃO PODERÃO usar o ENEM para tentar vaga na universidade. Eles só podem fazer o ENEM como treineiros.”

Concordo que pode ter existido um julgamento apressado por parte de Rosana. Mas não podemos ignorar a forma como o enunciado foi transmitido, em um horário em que boa parte dos telespectadores está em casa exaurido pelo trabalho e o trajeto percorrido.

No Brasil, quem é que pode ingressar na universidade sem ter concluído o ensino médio? Ninguém. No Acre ou no Rio de Janeiro, se não for apresentado um documento que comprove a conclusão desta fase do ensino você não vai se matricular em nenhum curso.

O que a matéria dá a entender é que um jovem não poderá ingressar na universidade, por meio do ENEM, não por uma questão de formação incompleta, mas por determinação de uma nova norma da prova.

A matéria poderia inverter o que é realmente importante e informar: Se você é menor de 18 anos e conclui o ensino médio neste ano PODERÁ usar o ENEM para ingressar em uma universidade.

Em 2006, aos 16 anos, prestei a prova e sabia que seria apenas uma “treineira”, pois teria mais um ano de ensino médio pela frente. Então este dado não é novo, mas foi apresentado como tal dando margem para interpretações equivocadas.

Pois bem, antes de revelar a Rosana que o seu filho teria direito a se inscrever no programa que desse na telha, claro, desde que tenha boa pontuação na prova, ela me surpreendeu como a seguinte resposta:

- Rosana, não dá para acreditar em tudo o que passa na televisão, nem em tudo o que é publicado...

- Mas me explica, como é que o jornal vai mentir assim em rede nacional?

Mentir é forte. Mas se o meio (como se dá a notícia) também é a mensagem então temos muito que questionar e discutir. 



Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Carnaval 2015: Foi-se o tempo que a mídia não recebia feedback

O cabelo que encolhe, o rímel que borra, foi 
a notícia que chocou a todos nesse carnaval. 
Se há algo louvável com as redes sociais é o escracho público. O rebote. A contrapartida. As outras opiniões da História.

Mídia, pessoas públicas, instituições fogem, mas tem de encarar os questionamentos.

O Tiago Leifert seria, sem dúvida, mais feliz se fosse apresentador décadas atrás, quando quem tinha TV era rico, e a Internet não passava de um plano longínquo. Naquela época, do que você não gostasse era problema seu.

Na transmissão desse carnaval, ele era só alegrias, roubando falas e atropelando os colegas, isto porque não leu o que diziam dele no Twitter. Nada pior do que o humor estrangulado, forçado. Não adiantou, geral percebeu.

A Skol, grande felizarda do carnaval, com cifras e cifras a amontoar-se nesta época, também foi limada pelos queridos internautas.

Publicitários, pra lá de criativos, fizeram a seguinte campanha carnavalesca: “Esqueci o “não” em casa”. Não tardou para que milhares de mulheres viessem a afirmar o óbvio: que não é não mesmo. Não interessa que é carnaval, não existe caridade, você é feio, desinteressante e não é não mesmo, amigo.

Em tempos idos, a escola Beija Flor de Nilópolis também passaria batido. SQN.

O brilho e glamour apresentados na avenida não ofuscaram o fato de a escola ter seu enredo patrocinado pela Guiné Equatorial. Não foi o povo africano que decidiu a singela doação, mas Teodoro Obiang Nguema Mbasogo; ditador que dá as cartas por lá.

Teodoro é tão cheio de amigos e afetos que mesmo tendo desembolsado 10 milhões para o desfile, não “quis” pisar na avenida, preferindo refestelar-se no camarote ao lado de seus seguranças.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também foi lembrado. Com suas posições um tanto retrógradas, ganhou um bloco animadíssimo no Facebook: “Rolê pra passar por cima do cadáver de Eduardo Cunha”. Bem querido.

Angélica, vou de táxi, podia ficar bem na fita. De boa, comendo um cachorro quente com o maridão na propaganda da Sadia. Mas aí descobre-se que a dita é vegetariana, preza pela alimentação saudável. E os militantes tendem mesmo a reclamar dos princípios feitos com papel crepom. É o famoso pagando bem que mal tem.

Portais de notícias também são avisados de suas pautas esdrúxulas.

Nos posts do UOL, feitos por redatores piadistas, sobre BBBs e famosos que CAMINHAM na praia, a resposta vem a galope: “Lixossss” “Quem é Amanda?” “Foda-se o paredão, e os que morrem sem auxílio nos hospitais?”.

Também não anda tendo muita credibilidade os jornais e revistas que querem fazer crer o PT inaugurador de corrupções e fraudes no Brasil.

E há quem diga que o Catraca Livre, a cada dia que passa, anda mais e mais semelhante ao Bem Estar.


Foi-se o tempo que os grandes não tinham feedback. A vida é mais sincera nas redes. 



Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Nunca recuse uma saída ao bar

Bar e bebida cansa. Letícia Sabatella repousando no asfalto. 
Quem nunca?
A casa de vó é velha, velha, seguindo fielmente os passos da dona. 

Na sala, há anos, acontece uma conferência de fungos e traças, todos à espreita, pelos cantos. Qualquer humano é intruso.

Sempre durmo no sofá. O quarto me põe distante e receio que algo, alguma coisa qualquer, possa acontecer e eu ainda dormindo, fique sem saber.

Visto minha camisa velha e deito. Logo, logo, chegam os pensamentos que surgem antes de cairmos nas profundezas do sono. Sapatos com colheres, porcos e tomadas flutuando num céu de árvores... 

- Telefone pra você! – Diz baixinho a avó com sono.

É Débora. Uma daquelas pessoas de alto astral, todo dia é dia de festa, corre de casa como o diabo da cruz.

Vamos ao bar de sempre, pouco reboco e bebidas baratas.

Por lá vimos os conhecidos e os que se tornaram.

Marcelo chega se lamentando que não pode beber, perdeu o dedo mindinho na metalúrgica. E os anti-inflamatórios, você sabe, perdem o efeito.

Solange emendou o assunto, não sei como, e disse que o namorado havia sumido novamente. Ela sabe onde encontrá-lo, mas que graça a vida teria?

Sérgio passa rápido, toca sua gaita e sai à procura de Dona Benta, como muitos durante toda a noite.

Bebemos o que tínhamos e depois com os copos dos outros. Os cigarros, da mesma forma.

Sâmia, depois de falar demais, vomitou. Era o fim da noite, fomos embora.

Chegando em casa, sou abraçada por uma nuvem de pó que paira na sala. Em pranto silencioso, vovó, sentada no chão, me aponta o sofá.

A casa entrara em fase terminal. Um pedaço do teto caiu em cima do braço direito do sofá. Em cima da minha cabeça que não estava lá. Não havia mais braço de sofá. O meu sofá, onde eu dormiria pra sempre.

E vovó chorando, chorando, minha quase morte. 

(Baseado em fatos vividos, meus caros...)


Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
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terça-feira, 10 de junho de 2014

Ficar ou fugir?

Eles vivem presos há anos. De modo que quando perceberam o cadeado aberto, sentiram que enfim seriam afagados pelo sopro da liberdade.

John e Lili desceram a rua a todo o vapor, sem olhar para trás. Com uma espécie de sorriso maravilhado, trotavam como cavalos de corrida.

Já Ritinha saiu dizendo: “Venha, oh, liberdade, eu não tenho medo”, mas logo aniquilou-se. Todos aqueles carros, pessoas, bocas, barulhos, vida acontecendo, lhe lançou um medo paralisador. Ficou, vejam só vocês, na rua encolhida como um recém-nascido.

Desfrutado os medos e diversões – os dois primeiros foram pegos na padaria, prestes a comer um frango assado. Já Ritinha foi resgatada há poucos metros de casa, ainda encolhida.


Até mesmo os cães, cada um tem o seu modo particular de lidar com as situações que a vida coloca... 


Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de fotografia, cachorro, botequins e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.