Marcas temos muitas, mas vamos deixar as nossas pegadas. |
Ao
se recusar a passar a cola para um colega de classe, Letícia
foi chamada de rata, ratazana, e ouviu que morreria sozinha por ser feia
demais. Na frente de todos apanhou sem que ninguém se condoesse.
Se
Bia ia de cabelo preso não tinha paz, solto era o inferno. Uma meia, uma piada.
Um laço diferente, um achincalho novo. Ela não sabe como não se matou.
Eu
posso deduzir.
De
olhos fechados, sozinhas em seus quartos, no fundo, por mais doloroso que
fosse, sabiam que não eram o que diziam. Viriam a descobrir, futuramente, que eram
maiores do que aquela situação.
Bia
assumiu o black power, veste o look que der na telha, estuda moda e tem um
filho lindo que educa na contracorrente do azul é pra menino, rosa é pra
menina.
Letícia
formou-se em letras e estuda música há uns dez anos. Trabalha como educadora e
é percussionista.
Encontrei
nas palavras o meu lugar de ser, de me expressar e estar no mundo. Esse caminho
me levou à faculdade de jornalismo, área em que trabalho atualmente.
E
os que nos alopravam? Vixi, a maioria está só o pó. Não me refiro ao físico, falo da
estagnação enquanto condição, o fato de não evoluir como ser humano.
Num
tempo ultra conectado, somos convidados a regressar ao passado por meio do
whatsapp e seus grupos do famigerado ensino médio. Lá vemos o quanto a passagem
do tempo melhora a uns e estaciona outros.
Uns,
o rio raso. O volume morto do Cantareira. O estado permanente de não encontrar
em si próprio nenhum prazer ou satisfação e, por causa disso, viver à sombra do
que acontece na vida alheia.
É
aquele tipo que acha o cúmulo alguém ter o DIREITO de ter cabelo rastafári. Que
“ganha” o tempo pregando como as pessoas devem viver, se vestir, em que Deus
devem acreditar, que o corpo de um é ruim e o outro é bom.
Nos
intervalos disso tudo, continua vendo TV Fama sem abrir um livrinho sequer. Nem
a si mesmo consegue fazer algum bem.
Muito
desse sofrimento poderia ser amenizado se houvesse um posicionamento decente das
escolas e, por conseguinte, dos professores. Muitos deles se omitiram e se
omitem, fechando os olhos enquanto o massacre psicológico, às vezes físico,
come solto.
Existe
ainda o aspecto familiar e social como um todo, isso dá outro texto.
Por
ora, quero registrar o nosso profundo agradecimento. Sim, todas as humilhações
a que fomos submetidas nos tornaram mais fortes, conscientes, com senso crítico e vontade de ir mais longe.
Marcas
nós temos muitas, mas também vamos deixar as nossas pegadas!
Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, ama a natureza, é fã de fotografias, cachorros e botequins.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.