De 1933, a obra operários, de Tarsila do Amaral,
revela o enlace da artista com o comunismo. |
O
despertador toca. Não acredito, mas é verdade, já amanheceu.
Minha mão rasteja pela parede e acende a luz. Me enfio em qualquer roupa, sem abrir os olhos, e enfio a bolsa no braço. Faço a marmita com o que tem e engulo o café de ontem.
Minha mão rasteja pela parede e acende a luz. Me enfio em qualquer roupa, sem abrir os olhos, e enfio a bolsa no braço. Faço a marmita com o que tem e engulo o café de ontem.
No ponto,
as pessoas chegam rápidas, os ônibus não. Unidos, nos socamos para que todos
possam caber. Aqui o clima é quente. Suamos e brigamos para ter onde
pôr os pés e as mãos. Todo dia, religiosamente, rezamos pela descida ligeira de
alguém que só se rende no ponto final.
Repreendemos
com olhos vermelhos e sonolentos os que se exaltam. Imploramos pelo silêncio,
pois é o mais próximo que podemos chegar da paz. Na contramão, desejamos o
cair um dos outros, a troco de um banco para repousar durante as horas
seguintes.
A
mediocridade nos é farta e generosa.
O ônibus ronca, como quem raspa a garganta, e me cospe. Mecanicamente,
meus pés seguem o caminho, assim como meu corpo que irá reproduzir inúmeros
movimentos programados ao longo das próximas oito horas, às vezes dez.
Contaram-me do sol, não sei do dia, quando saio já é noite.
Contaram-me do sol, não sei do dia, quando saio já é noite.
No ponto,
me pergunto de onde vem tanta gente, de onde brotam tantos pés arrastados. Rezo
inutilmente por um assento que não vai me esperar. Do ódio matutino à
passividade noturna. Empurrões, xingamentos e sons indecifráveis. Esperam que
eu reaja, e apenas quero à minha casa chegar.
De sapatos, desabo como um prédio
implodido. Passo os canais, ouço alguém dizer sobre políticas de alguma
pública, educação, literatura... Aperto o botão de novo, a novela já vai
começar.
Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de jabuticaba, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.
Ótimo texto!
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