terça-feira, 3 de setembro de 2013

Por que o povo é burro?

De 1933, a obra operários, de Tarsila do Amaral,
revela o enlace da artista com o comunismo. 
   
O despertador toca. Não acredito, mas é verdade, já amanheceu. 

Minha mão rasteja pela parede e acende a luz. Me enfio em qualquer roupa, sem abrir os olhos, e enfio a bolsa no braço. Faço a marmita com o que tem e engulo o café de ontem. 

No ponto, as pessoas chegam rápidas, os ônibus não. Unidos, nos socamos para que todos possam caber. Aqui o clima é quente. Suamos e brigamos para ter onde pôr os pés e as mãos. Todo dia, religiosamente, rezamos pela descida ligeira de alguém que só se rende no ponto final.

Repreendemos com olhos vermelhos e sonolentos os que se exaltam. Imploramos pelo silêncio, pois é o mais próximo que podemos chegar da paz. Na contramão, desejamos o cair um dos outros, a troco de um banco para repousar durante as horas seguintes. 

A mediocridade nos é farta e generosa.

O ônibus ronca, como quem raspa a garganta, e me cospe. Mecanicamente, meus pés seguem o caminho, assim como meu corpo que irá reproduzir inúmeros movimentos programados ao longo das próximas oito horas, às vezes dez. 

Contaram-me do sol, não sei do dia, quando saio já é noite.

No ponto, me pergunto de onde vem tanta gente, de onde brotam tantos pés arrastados. Rezo inutilmente por um assento que não vai me esperar. Do ódio matutino à passividade noturna. Empurrões, xingamentos e sons indecifráveis. Esperam que eu reaja, e apenas quero à minha casa chegar.

De sapatos, desabo como um prédio implodido. Passo os canais, ouço alguém dizer sobre políticas de alguma pública, educação, literatura... Aperto o botão de novo, a novela já vai começar.




Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de jabuticaba, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.

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