quarta-feira, 23 de abril de 2014

Carta de um suicida que ficou

Não desperto do sono, sou arrancado pelos pensamentos. Mal abro os olhos, e quedo para trás, sinto o bombardeio de ideias furando a minha cabeça, que mais parece uma engrenagem que nunca desliga.

Logo nos primeiros passos do dia, arquiteto o futuro. Mentalizo e idealizo os cenários e personagens pelos quais passarei. Construo o inconstruível. Penso ter o controle do que nunca será controlável: o amanhã.

Para as possíveis divergências e brigas que terei, imagino o desfecho – o que irei dizer e rebater. Vivo me preparando para o nada. Antecipo tudo para poder chegar pronto, mal sabendo que nunca estarei pronto.

Pois, sem sobreaviso, a vida nos coloca – quando não empurra – nos beirais dos edifícios, nas pontes e viadutos, lá, na hora, (muitas vezes sem recurso) decidimos o que fazer.

Estou a postos todos os dias para observar, analisar e enquadrar o que acontece ao redor, de fora e de dentro.

Penso ter atirado, mas sou eu quem levou o tiro. Vivo aflito pelo que fiz de mal aos outros, gestos que fiz, coisas que falei, quando na verdade, não há mal algum. Somente a nossa costumeira estranheza humana. 

Vivo dentro da minha cabeça, muito aquém da realidade. 

Cheguei a um estado brutal de esgotamento, meu cérebro, com todas as suas chaves e armadilhas, está definhando comigo. Quando demos a ela o poder, é fervorosa a Autodestruição.

As lágrimas, autônomas, vão e vão, sem olhar para trás. 

A angústia está com fome, estou só os ossos.

Preciso mudar algumas coisa de lugar. Tomar as rédeas.

Envergo mas não quebro.

Não quero quebrar. 



Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de fotografia, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas

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