quinta-feira, 4 de julho de 2013

Não ouço quem só aprendeu a falar


Nada que esteja aí para todo mundo me interessa. Dessas coisas todas que possuem as pessoas, nada me interessa. Carros, empregos visados, roupinhas e outros adendos, nada disso me interessa. Eu bato asas e saio voando. Receitas de como agir, de como se portar, a quem se dirigir, como falar. Nada disso me aquece.

Não me interessa nenhum lugar, nenhuma ordem, qualquer organização que queira instituir em mim uma verdade que não autorizei, mas que fui condicionada, sem que me dissessem que havia outra porta. Não aceito que vozes que nunca gritaram, me imponham o que devo acreditar. Estou nessa ciranda para trocar, não acredito em que só aprendeu a falar.

Não é fácil, reluto, mas vou lá; Amarro minha moral numa cadeira, taco fogo nos bons costumes, trancafio no porão meus preconceitos e vou à vida. Beber gente. Gente lapidada como pena de pavão, gente crua que sangra, gente que não é gente, gente que vive para os outros, gente que vive para si, gente que não sabe pra que vive.

Estamos sujeitos à tudo. Na vida estamos aí para todo tipo de violência. Na rua é um tiro que nos encontra, na calçada é um tijolo que cai e abre nossa cabeça. Um enfarte, o coração dorme, e você não mais acorda. E ainda com essas possibilidades esfregadas à luz do dia em nossas caras, enrijecemos os músculos, secamos a saliva, babamos, cuspimos, mostramos os dentes, sem escutar ninguém, nem um pardalzinho.

É como se deus, num dia ruim, tivesse dado um milagre pela metade, um rebanho de surdos que só aprendeu a falar.



Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de jabuticaba, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.

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