(Foto: QP)
|
Antes de me deitar, deixo a janela aberta. Minha cabeceira
fica encostada na parede da janela, adormeço observando os móveis iluminados
pela lua. Pela manhã, o dia invade o quarto e me põe de pé.
Debaixo de um azul celestial, os meninos da favela gritam
e chutam aos quatro ventos no campinho de barro, crianças chorosas e cachorros nervosos disputam ouvidos, enquanto a vizinha varre quase sem poder com sua vassoura
velha.
Descalça vou ao banheiro, lavo as mãos e olho para o
espelho. Meus cabelos estão em arruaça e de minha cara amassada, ainda pingam uns
restos de sonho que não vivi.
Ponho a água no fogo. A cada barulho meu, os cachorros
latem e choram. Abro a porta e eles se alegram. Eu também me alegro. Cachorro é
amor de criança, amor de graça. Adoço o café e me junto a eles no quintal. O pé de flores vermelhas, que não sei o nome, continua crescendo, nesse eterno flores caem, flores nascem. Atrás de meu banco de madeira, as formigas fazem bom proveito do pé de jabuticaba. É triste. Depois de comerem a poupa, deixam a casca seca cheia de pequenos buracos. Tenho um pé de carcaça.
A filha da minha vizinha está crescendo. Já consegue
jogar seus pertences no meu quintal. Minha cachorra agradece, abanando o rabo
com a boneca careca entre os dentes. Sem secar os olhos, a menina chora, chora,
parece que a vida já lhe contou que algumas coisas são assim mesmo, vão e não
voltam...
Na cozinha, encho a caneca novamente. De volta ao
quintal, a cachorra cansou da boneca, a menina desistiu de sofrer e as formigas
foram embora. Tanta coisa acontece enquanto dura um café...
Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de jabuticaba, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas
Nenhum comentário:
Postar um comentário